Vespa torna aranhas em zumbis

VESPA TORNA ARANHAS EM ZUMBIS

Artrópode parasitóide controla o comportamento de aranhas para se apoderar de suas teias

Os insetos e as aranhas são os animais mais diversos e numerosos do planeta. Eles vêm travando uma luta de vida ou morte há quase 400 milhões de anos, desde o surgimento das primeiras aranhas — o ancestral comum de todos os insetos é mais antigo. Viveu há quase 500 milhões de anos.

Ao longo de eras de combate, os dois grupos desenvolveram infinitas estratégias de ataque, defesa e contra-ataque. A grande maioria das vespas se especializou em parasitar outras formas de vida. Começaram depositando seus ovos em plantas, nas quais as larvas se alimentam até a metamorfose, como é o caso da vespa-do-figo, que eclode nos frutos das figueiras. Depois da adaptação para parasitar plantas, foi a vez das vespas ampliarem o escopo de suas vítimas para incluir os invertebrados.

Conhecem-se mais de 60 mil espécies de vespas da família Ichneumonidae, que parasitam todo o tipo de insetos. Estas vespas são conhecidas como “vespas-de-Darwin”, devido à triste impressão que causaram ao sábio inglês, que certa vez escreveu:

“Não consigo me convencer de que um Deus bondoso e onipotente teria criado intencionalmente os ichneumonideos [vespas parasitas] com a intenção expressa de se alimentarem nos corpos vivos das lagartas.”

Vespa torna aranhas em zumbis
Esta aranha da espécie Leucauge volupis, no centro de sua teia, está prestes a ser atacada por uma vespa parasitóide, que torna aranhas em zumbis

 

ATRAÇÃO FATAL

Entre as 60 mil espécies de vespas-de-Darwin, há um grupo em particular adaptado para transformar aranhas em zumbis. Tais vespas se especializaram em zumbificar o comportamento de aranhas, até matá-las e se apoderar de suas teias. O entomólogo Thiago Kloss, professor de Ecologia na Universidade Federal de Viçosa (UFV), estuda a ecologia destas vespas em particular, para descobrir como elas modificam o comportamento das aranhas.

“Existem ao menos 300 espécies de vespas parasitóides de aranhas. Eu já participei na descrição de três espécies”. A espécie mais recente descrita pelos pesquisadores é a Hymenoepimecis pinheirensis, que ocorre na Mata Atlântica, no norte do Espírito Santo. Seu nome é uma homenagem à cidade de Pinheiro (ES), onde fica a Reserva Biológica Córrego do Veado, o local da descoberta. 

O artigo sobre as vespas que transformam aranhas em zumbis foi publicado na revista Systematics, Morphology and Physiology. Nele, Thiago descreve as modificações comportamentais induzidas pela vespa H. pinheirensis no comportamento da aranha da espécie Leucauge volupis

 

vespa torna aranhas em zumbis
Vespa da espécie Hymenoepimecis pinheirensis é uma das mais de 300 espécies de vespas que parasitam aranhas

 

DOIS TIPOS DE TEIAS

Para entender como as vespas parasitam suas vítimas, é preciso saber que as aranhas constroem dois tipos de teias. Uma delas é a que todos conhecemos. Ela é orbicular, ou seja, é circular com raios concêntricos, é pegajosa e usada para a captura de presas. 

A segunda é a teia de repouso, construída quando a aranha precisa “trocar de pele”, ou melhor, repousar durante a troca de seu exoesqueleto. As teias de repouso não são pegajosas, quase não têm raios, mas seu fio é muito reforçado, para sustentar a aranha durante o período da muda.

O processo que culmina com a zumbificação da aranha inicia quando a vespa ataca a aranha, paralisando-a por meio da injeção de uma toxina na boca do aracnídeo. Enquanto a vítima encontra-se imobilizada, a vespa deposita seus ovos nas costas das aranhas. Em seguida, a vespa vai embora, a aranha sai de seu torpor e sua vida retoma o ritmo normal.

aranha com larva de vespa
Vespa torna aranha em zumbi - Imagem mostra a larva da vespa encarapitada nas costas da aranha. Larva suga fluídos vitais da aranha para poder crescer.


O PROCESSO DE ZUMBIFICAÇÃO

Após alguns dias, a larva eclode e começa a crescer sem sair das costas do artrópode, alimentando-se do fluido corporal (ou linfa) da aranha viva. Durante o período de engorda da larva, a aranha prossegue com a sua vidinha, consertando a teia e devorando suas presas. A única alteração no aracnídeo é que vai enfraquecendo, devido à perda de linfa.

Decorridos entre 15 a 20 dias da eclosão (período que depende para cada espécie), um dia antes de iniciar sua metamorfose, a larva já robusta finalmente coloca as manguinhas de fora. Por um mecanismo bioquímico ainda desconhecido, a larva zumbifica a aranha, que deixa de caçar, deixa de se alimentar, e passa a desconstruir sua teia orbicular, reconstruindo-a com o formato de uma teia de muda, não-pegajosa, porém mais grossa, com um fio extremamente reforçado. 

Uma vez que a nova teia fica pronta, processo que leva algumas horas, a larva mata a aranha, se apossa da teia, e passa a construir seu casulo. “Como a larva sabe que a teia nova está pronta? Isso ainda não sabemos”, diz Thiago.

A razão para a nova teia ter um fio muito reforçado é justamente para sustentar o pesado casulo. Já a razão para não ser pegajosa é evitar que insetos ou folhas fiquem presos na trama, o que poderia destruir a teia, fazendo o casulo cair ao solo e ser devorado.

Com o casulo pronto, a larva inicia sua metamorfose para se tornar um inseto adulto, o que pode levar de 10 a 15 dias, após os quais a mariposa eclode o casulo, abandona a teia, decola, vai se alimentar e procurar parceiros para acasalar. Após a cruza, a mariposa sairá à procura de novas aranhas para depositar suas larvas. C’est la vie!

vespa torna aranhas em zumbis
Vespa torna aranha em zumbi - Quando a larva está pronta para construir seu casulo, ela zumbifica a aranha, que passa a modificar sua teia, reforçando os fios de modo a poderem sustentar o casulo da vespa, no centro da imagem. Uma vez modificada a teia, a aranha morre

 

GANHADORES E PERDEDORES

Num artigo anterior, Thiago confirmou que as modificações da teia feitas pelas aranhas são uma adaptação benéfica apenas às vespas parasitóides, o que ainda não estava claro. Só as vespas levam vantagem. Para as aranhas, não há benefício algum. Elas sempre acabam escravizadas e mortas.

Segundo Thiago, as aranhas naturalmente constroem teias modificadas durante essa fase de vulnerabilidade (da troca do exoesqueleto). De alguma forma, as larvas dos parasitóides induzem o aumento do hormônio que controla a ecdise (que é a troca do exoesqueleto), ativando o mecanismo e, consequentemente, a construção das teias modificadas. Entretanto, as larvas matam as aranhas após a construção da teia, antes da aranha realizar a troca do exoesqueleto.

“Resumindo, os parasitóides utilizam um mecanismo inato das aranhas em benefício próprio. Esse mecanismo foi provavelmente selecionado porque a troca do exoesqueleto é um momento onde as aranhas estão muito vulneráveis, justificando a construção de uma teia reforçada”.

“Eu já observei 20 interações diferentes entre vespas parasitóides e aranhas. Importante salientar que cada interação se dá apenas entre espécies específicas de vespas e aranhas. Uma espécie de vespa só ataca uma determinada espécie de aranha, e nenhuma outra”. No mundo já foram descritas mais de 60 interações diferentes.

A grande questão agora é descobrir qual é o mecanismo bioquímico ou molecular que permite às vespas modificarem o funcionamento do hormônio da aranha ativado durante a troca do exoesqueleto. Quais genes e proteínas estão por trás da alteração comportamental nas aranhas? E como esta interação surgiu? Desvendar este mistério é o próximo objetivo de Thiago e seus alunos.

“Todo o meu trabalho tem sido feito, desde 2013, a partir da coleta de vespas e aranhas que ocorrem na Mata Atlântica no Espírito Santo e Sul da Bahia. Esta é a ponta da ponta de um iceberg. Imagine você a infinidade de outras espécies de vespas parasitóides que há por descobrir em todo o Brasil e, em especial, na Amazônia!”

 

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