tamanduá cor-de-rosa

ERA UMA VEZ UM TAMANDUÁ COR-DE-ROSA

Pesquisador da UFRJ e da Fiocruz identifica dois tamanduás-mirins rosados, os primeiros de quem se tem conhecimento

 

O guarda-roupa dos tamanduás não para de revelar a sua versatilidade. Em setembro passado já havia sido anunciada a existência, no Mato Grosso do Sul, de dois raríssimos tamanduás-bandeira albinos. Mal passados seis meses, agora se sabe também que, entre os tamanduás-mirins (ou tamanduás-de-colete), existem indivíduos que ostentam uma emblemática pelagem cor-de-rosa. Os dois animais identificados não são brasileiros. Habitam o Parque Nacional da Soberania, no Panamá. 

“Nós já conhecíamos tamanduás-mirins totalmente brancos e parcialmente brancos, ou seja, que apresentam albinismo e leucismo, respectivamente. Albinismo e leucismo são anomalias decorrentes da produção de pouco ou nenhum pigmento, que ocorrem devido a mutações genéticas. Mais precisamente no caso dos albinos, o que se dá é a despigmentação total da pelagem do animal”, diz o biólogo Leonardo Cotts, primeiro autor do artigo publicado em março na revista Zoologia, onde são descritos os primeiros tamanduás-mirins rosados de que se tem notícia.

“Conhecíamos na literatura científica casos de indivíduos negros (melanismo) e alguns relatos sem registro científico de indivíduos amarelados, mas o conhecimento sobre desordens cromáticas em tamanduás-de-colete se resumia a isso”. Em nosso artigo, conseguimos identificar pela primeira vez o xantocromismo, uma anomalia que confere coloração amarelada aos tamanduás. Identificamos também novos casos de indivíduos negros (melanismo total) e parcialmente negros (melanismo parcial), e também identificamos animais com pelagem marrom, que podem ser oriundos de cruzamentos entre indivíduos pretos e totalmente amarelos” (veja as diversas variedades de pelagem do tamanduá-mirim na imagem ao final desta reportagem).

“Contudo, o caso que mais nos chamou a atenção foi a presença de tamanduás cor-de-rosa, nunca observados anteriormente”, afirma Cotts, atualmente vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e à Fiocruz Mata Atlântica (CFMA) @fiocruzmatatlantica, um campus d pesquisa da Fiocruz.


 

Tamanduá cor-de-rosa — assista ao registro de primeiro tamanduá-mirim rosado que se conhece (crédito: Jorge Pineda / Canopy Family)


REGISTRO PANAMENHO

O primeiro registro de um tamanduá cor-de-rosa foi feito em fevereiro de 2020, no Parque Nacional da Soberania, no Panamá. Outros registros se seguiram. “Em março e abril de 2022, apareceram dois indivíduos iguais, com o mesmo tamanho e coloração de pelagem. Ambos não apresentaram comportamento agressivo e passaram boa parte do tempo juntos. Daí assumirmos serem irmãos da mesma ninhada”.

“A princípio, os pesquisadores do parque não acharam que aqueles bichos fossem rosados. Pensou-se que apresentassem leucismo, ou seja, que fossem parcialmente brancos”, explica Cotts. 

“Com novos registros desses animais na mesma localidade, foi possível analisá-los mais de perto e pudemos reconhecer que os indivíduos rosados apresentavam uma rara anomalia de coloração, o eritrismo”. 

Segundo Cotts, o eritrismo é uma desordem cromática ocasionada por mutações em genes responsáveis pela regulação da síntese de melanina, favorecendo uma maior produção de um subtipo de pigmento que produz colorações do amarelo ao vermelho, a feomelanina. 

O eritrismo favorece um aumento da feomelanina em partes do corpo (pelos, pele, penas, garras) de animais onde os pigmentos escuros (eumelanina) são frequentemente observados. Desse modo, os indivíduos eritrísticos comumente apresentam colorações avermelhadas, com esse tom podendo variar do vermelho vivo ao rosa-claro.

 A equipe que descreveu os tamanduás cor-de-rosa continua monitorando os indivíduos registrados no Panamá, visando a obtenção de dados biológicos e comportamentais. 

“Queremos coletar futuramente tecidos destes indivíduos e fazer exames biométricos, assim poderemos desenvolver análises genéticas e morfológicas mais aprofundadas quando compararmos esses indivíduos a outros tamanduás com coloração típica da espécie.”, informa Cotts.


Tamanduá albino — registro dos primeiros tamanduás-bandeira albinos foi realizado no Mato Grosso do Sul, em setembro de 2022


PRIMOS CONSERVADORES

Ao menos naquilo que diz respeito aos padrões de pelagem, o tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), o outro representante vivente dos tamanduás, pode ser considerado bastante conservador quando comparado ao leque de possibilidades apresentadas pelo tamanduá-mirim.

Em termos de pelagem, o tamanduá-bandeira exibe a tradicional mescla de preto, branco e marrom. Mais raramente, também pode se vestir de negro — ou mesmo ser albino — como nos dois tamanduás-bandeiras albinos revelados em setembro de 2022, com a publicação do artigo na revista Oecologia Australis, também de autoria de Leonardo Cotts.



Variações na coloração entre os tamanduás-mirins, ou tamanduás-de-colete: a – melanismo; b – melanismo parcial; c – xantocromismo; d – xantocromismo parcial; e – variação marrom; f – leucismo; g – albinismo; h – eritrismo (Cotts et al. 2023)



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