- Peter Moon
- 28/03/2023
- 11:29

BRASIl TEM enorme DIVERSIDADE DE PLANTAS CARNÍVORAS
Tudo o que você gostaria de saber sobre a carnivoria no mundo vegetal, mas não sabia onde procurar
Alguns filmes enraízam em nossa memória. Sempre que penso em plantas carnívoras, lembro de uma em particular: a grande estrela do divertidíssimo musical A pequena loja dos horrores (1986). Vinda do espaço exterior, Audrey 2 (é o nome da planta) cai na Terra com um único objetivo: conquistar o planeta devorando toda a humanidade.
Plantas carnívoras como Audrey 2, com sua bocarra maior do que a de um tiranossauro rex, só existem no universo da ficção. As plantas carnívoras reais são quase todas minúsculas, adaptadas para abocanhar ou armadilhar, matar e dissolver invertebrados não maiores do que formigas.
Ainda assim, existem exceções, como Nepenthes rajah, da ilha de Bornéu. Sua arapuca é a maior entre as de todas as plantas carnívoras. Com a forma de um jarro de 35 cm de altura, no interior cabem até 2,5 litros de líquido digestivo, suficientes para dissolver vertebrados como ratos, pererecas e pequenos lagartos.
Outra planta carnívora imensa é brasileira. Drosera magnifica, na imagem do início desta reportagem, pode alcançar 1,5 metro de comprimento, sendo a maior de seu gênero nas Américas. Descoberta em 2015, ela cresce nas montanhas ao redor de Governador Valadares (MG), onde é conhecida como orvalhinha, devido às gotículas reluzentes e pegajosas que cobrem as folhas longas e finas, de um vermelho vivo. A planta recorre às suas cores vivas para atrair as presas, como pequenos insetos voadores, que ficam presos na substância viscosa, sendo digeridos por enzimas secretadas pela planta.
“Hoje conhecemos mais de 850 espécies de plantas carnívoras, divididas em onze famílias. Quase todas são angiospermas, ou seja, têm flores. Mas também há um punhado de musgos carnívoros”, explica o botânico Vitor Miranda, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCVA), campus de Jaboticabal, da Unesp.
De acordo com Miranda, o Brasil possui uma das maiores diversidades mundiais de plantas carnívoras. Aqui são encontradas 15% de todas as espécies. “Entre as 130 espécies carnívoras que ocorrem no Brasil, há plantas de todos os tipos: terrestres, aquáticas, plantas que vivem sobre outras plantas usando-as como suporte (epífitas), ou sobrevivem no Cerrado em cima de rochas a 48ºC (litófitas), ou ainda na forma de reófitas, restritas às corredeiras e cascatas dos rios e riachos”.
Como quaisquer angiospermas, as plantas carnívoras dependem dos insetos para a sua polinização. No caso das carnívoras, este papel é frequentemente desempenhado pelas abelhas. E, assim como quaisquer plantas, as carnívoras realizam fotossíntese. Mas apenas a fotossíntese não basta para a sua sobrevivência. As carnívoras precisam complementar sua nutrição com nitrogênio e fósforo que obtêm de suas presas, como pequenos insetos, larvas, protozoários e microcrustáceos. No caso de carnívoras maiores, o cardápio pode incluir artrópodes e até mesmo pequenos vertebrados, como faz a Nepenthes rajah.
ADAPTAÇÕES INDEPENDENTES
Durante a conversa com Miranda, para mim o fato mais curioso foi descobrir que as mais de 850 espécies de plantas carnívoras não têm um ancestral comum. “A carnivoria surgiu de forma independente ao menos nove vezes”, explica Miranda. “Em cada uma delas, uma linhagem teve que superar algum problema para sobreviver, adaptando suas estruturas para conseguir alimento por outros meios”.
Apesar de não aparentadas, o que todas as onze famílias de plantas carnívoras têm em comum é o desenvolvimento de estruturas adaptadas para realizar quatro ações: capturar e matar suas presas, para então dissolvê-las e absorver os produtos da digestão.
Ao longo de sua evolução, as carnívoras desenvolveram uma grande variedade de armadilhas para se adaptar aos ambientes mais desafiadores. Há famílias com folhas grudentas, como mata-moscas. Uma vez que a presa nelas pousa, fica imobilizada e não foge mais. Aí, as mesmas substâncias que imobilizam a presa agem para dissolvê-la e digeri-la.
Há armadilhas em forma de saquinhos com paredes escorregadias. Uma vez lá dentro, a vítima se afoga no líquido que irá dissolvê-la. Há também armadilhas que se fecham sobre a presa feito arapucas ou ratoeiras. Ou centenas de tentáculos pegajosos que aderem à vítima. Uma vez capturada a presa, a haste cheia de tentáculos se verga em torno da vítima, de modo envolvê-la num abraço letal até asfixiá-la, e então dissolvê-la.
“Cada família tem uma adaptação diferente”, diz Miranda. “Além das folhas, outras partes da planta podem formar estruturas semelhantes a gaiolas ou orifícios de sucção, acionados pelo movimento ou peso da presa”.
Uma das maiores famílias de carnívoras é a das lentibulariáceas, com três gêneros e mais de 370 espécies. Nela, há plantas cujas folhas são cobertas por glândulas que produzem uma solução pegajosa para prender a presa. Há também folhas em espiral que formam um tubo para guiar a presa até o local de digestão.
ORIGEM SUL-AMERICANA
Entre as lentibulariáceas, o gênero das utriculárias é atualmente o principal foco da pesquisa de Miranda. Para sobreviver, o grupo se adaptou criando pequenas bolsas chamadas utrículos, que usam para sugar suas presas.
Em 2018, a bióloga Saura Silva, do grupo de Miranda, publicou um artigo na revista Molecular Phylogenetics and Evolution baseado no estudo do DNA das utriculárias. Nele, Saura revelou que a América do Sul é o berço original do grupo. O relógio molecular sugere que as primeiras utriculárias aqui evoluíram há 39 milhões de anos, próximo ao final do período Eoceno.
Isto é curioso, pensei. Será que o resfriamento global do final do Eoceno foi uma das barreiras adaptativas que as fundadoras da linhagem das utriculárias tiveram que superar?
Vejamos: o Eoceno durou de 56 milhões a 33 milhões de anos atrás. Na maior parte daquele período, o clima terrestre era bem mais quente, e a América do Sul era coberta por vastas florestas tropicais.
Contudo, há 35 milhões de anos, nosso continente e a Antártida, que eram unidas, se separaram. O crescente isolamento da Antártida foi resfriando o clima do planeta. Em consequência, as vastas florestas tropicais sul-americanas, que se estendiam desde o Caribe até a Patagônia, invadindo mesmo a Península Antártica, começaram declinar. Foi no início deste contexto que, há 39 milhões de anos, quando o clima começava a resfriar e ressecar, apareceram as primeiras utriculárias.
Nunca saberemos se as mudanças climáticas do final do Eoceno estiveram entre as responsáveis pelo surgimento das utriculárias em terras que num futuro distante chamaríamos de Brasil. Mas o fato é que aquelas plantinhas acabaram se mostrando extremamente bem-sucedidas, pois a partir de seu berço sul-americano elas colonizaram o planeta. Hoje, as utriculárias são encontradas como espécies terrestres ou aquáticas em todos os continentes, exceto na Antártida. Com mais de 240 espécies viventes, elas formam a maior linhagem das plantas carnívoras.


DARWIN ENCANTADO
Existem centenas de laboratórios em todo o mundo devotados ao estudo das plantas frutíferas, ou de palmeiras, ou das gramíneas, apenas para dar alguns exemplos. Contudo, diante da grande diversidade das plantas carnívoras, é curioso descobrir que existem apenas cinco laboratórios voltados ao entendimento da evolução da carnivoria nas plantas. Que bom que o Brasil conta com um deles: o Laboratório de Sistemática Vegetal, chefiado por Miranda, em Jaboticabal.
“Eu sempre gostei muito das carnívoras. É uma fascinação que tenho desde moleque, quando ganhei da minha mãe uma plantinha”, diz Miranda. Com 14 anos, ele começou a colecionar plantas carnívoras e a se corresponder com o ecólogo Lubomír Adamec, do Instituto de Botânica da Academia de Ciências da República Tcheca, uma das referências mundiais em plantas carnívoras — que eventualmente viria a se tornar o seu mentor, amigo e colaborador.
O círculo de pesquisadores de plantas carnívoras pode ser pequeno, mas está em boa companhia. Quem também era encantado por plantas insetívoras, como as chamava, era Charles Darwin (1809-1882). Ele demonstrava um apreço especial pelas papa-moscas-de-vênus (Dionaea muscipula). Veja o que o grande naturalista escreveu sobre a papa-moscas, que considerava “a planta mais maravilhosa do mundo” (19/02/1873):
“…(você) é injusto com os méritos de minha adorada Drosera (sic), é uma planta maravilhosa, ou melhor, um animal muito sagaz. Vou defender Drosera (sic) até o dia da minha morte. Deus sabe se algum dia publicarei minha pilha de experimentos (sobre ela).” (04/08/1863)
A papa-moscas-de-vênus foi destaque do livro Insectivorous plants, que Darwin publicou em 1875. É por isso que, até hoje, a imagem das folhas da papa-moscas-de-vênus se fechando sobre um inseto, numa armadilha rápida e mortal, é aquela que predomina quando se fala em plantas carnívoras.

POLINIZADORES E PRESAS
Um dividendo da boa conversa com Miranda foi a minha conversão ao encantamento por plantas carnívoras. Tanto é assim que, ao refletir sobre tudo o que foi conversado, bateu uma dúvida. Se as plantas carnívoras se alimentam de insetos, depender das abelhas para a polinização não seria dar um tiro no pé?
“Essa é uma questão muito interessante, que motivou alguns estudos bem legais nos últimos 20 anos”, respondeu Miranda.
“Uma dúvida que se tinha é se não haveria conflito entre a polinização e a carnivoria. Ou seja, se os polinizadores não poderiam servir também de presas — o que, de fato, seria um tiro no pé”.
Entretanto, prossegue Miranda, foi demonstrado que nas diferentes famílias de plantas carnívoras a fauna de presas é bem diferente da fauna de polinizadores. Geralmente os polinizadores são maiores em tamanho do que as presas. Considerando as armadilhas foliares, os polinizadores dificilmente seriam capturados pela planta.
“Na prática, não existe esse conflito. Polinizadores e presas são tratados de formas distintas pela planta — os primeiros servem para a reprodução e os segundos servem de comida”.
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2 comentários em “Brasil tem enorme diversidade de plantas carnívoras”
Querida Profa. Alzira,
Muito obrigado pelas palavras!
A senhora foi e é uma grande professora. E deixou em mim marcas profundas.
Obrigado!
Um grande beijo com muito carinho,
Vitor
Excelente matéria sobre plantas carnívoras, principalmente quando vejo informações pioneiras sobre Plantas Carnívoras pelo VITOR MIRANDA que ,quando aluno do ensino médio, já se dedicava intensamente ao estudo de Biologia, especialmente a essas interessantes e curiosas plantas. Meu abraço ao VITOR. Sucesso sempre. Muitas Bênçãos .
Professora Alzira.