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OS NOVOS PRIMATAS DO BRASIL

Nosso país é o lar da maior diversidade de primatas do planeta. E ela acaba de aumentar! Conheça o uacari-dos-kanamaris, um dos novos primatas brasileiros

“O Brasil é o país que possui a maior diversidade de primatas no planeta! Temos cerca de 70% de todos os primatas da Região Neotropical (Américas) e quase 22% de todos os táxons de primatas do mundo”, diz Leandro Jerusalinsky, um dos vice-presidentes globais do Grupo Especialista em Primatas (PSG), órgão ligado à União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN)

“Os números mais recentes indicam 140 espécies e 156 táxons (espécies e subespécies) para o Brasil”, informou-me Leandro por correio eletrônico. 

Conforme o levantamento do PSG, sobrevivem no mundo hoje 531 espécies e 720 táxons (espécies e subespécies) de primatas. Entre elas, 449 apresentam globalmente algum nível de ameaça de extinção (Primates in Peril – 2022-2023). “Apesar de mais de 60% de todos os táxons de primatas estarem ameaçados – incluindo 35 táxons de primatas brasileiros -, felizmente ainda não tivemos nenhuma extinção recente de primatas no Brasil, apesar de muitas populações estarem declinando e desaparecendo localmente”, diz Leandro, coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros (CPB), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Sabendo disso tudo, é maravilhoso descobrir que, apesar da devastação desenfreada no Pantanal, no Cerrado e na Amazônia, no último ano foram descritas duas novas espécies de primatas brasileiros, o uacari-dos-kanamaris (Cacajao amuna) e sagui-dos-kulinas (Saguinus kulina). 

Ambas as espécies vivem no Oeste da Amazônia, a região (ainda) mais preservada da Amazônia. Ambas foram igualmente descritas por pesquisadores do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, uma importante instituição que vem se mostrando central no esforço para conhecer (e preservar) a biodiversidade amazônica.

 

Novos primatas do Brasil — o uakari-dos-kanamaris (Cacajao amuna) se destaca pela pelagem branquinha (imagens fornecidas por Felipe Ennes Silva)


UAKARI DOS KANAMARIS

Há dois grupos de uacaris, os primatas do gênero Cacajao. Os uacaris-pretos vivem na margem norte da bacia do rio Negro, na região de fronteira entre o Brasil e a Colômbia. Já os uacaris-calvos habitam o Oeste da Amazônia, entre Brasil e Peru.

Os uacaris são primatas que vivem em florestas alagáveis conhecidas como várzeas e igapós, que inundam durante o verão amazônico, o período chuvoso. “São os únicos primatas das Américas encontrados principalmente nas áreas de florestas alagadas”, diz o primatólogo Felipe Ennes Silva, pesquisador colaborador do Instituto Mamirauá, em Tefé, no Amazonas.

O que caracteriza o grupo dos uacaris-calvos é o fato de possuírem a cara vermelha e serem carecas. Na natureza, um uacari-calvo pode viver entre 15 e 20 anos (em cativeiro, pode chegar aos 30). Eles vivem em bandos de 30 até 100 indivíduos. Têm entre 40 e 50 cm, e pesam de 3 a 3,5 quilos. Têm também a cauda proporcionalmente mais curta de todos os primatas sul-americanos, em média 15 cm. Para colocar isso em perspectiva, a cauda de um macaco-aranha, de tamanho semelhante, chega até 80 cm de comprimento. 

Já eram conhecidas quatro espécies de uacaris-calvos (observe o mapa). Em 2022, foi descrita a quinta: o uacari-dos-kanamaris, ou Cacajao amuna.

A principal característica de C. amuna é sua pelagem, branquinha. A espécie habita as várzeas da margem direita do rio Tarauacá, que nasce no Acre e corre no Amazonas até desaguar no rio Juruá. A região é habitada pelo povo indígena Kanamari. Daí o nome amuna, que quer dizer uacari na língua Kanamari. 

O zoólogo Felipe Ennes Silva é o principal autor do artigo que descreve a nova espécie, publicado na revista Molecular Phylogenetics and Evolution. Pelo fato terem a pelagem toda branca, Felipe já suspeitava que aqueles uacaris da margem direita do rio Tarauacá poderiam pertencer a uma espécie distinta dos animais da margem esquerda, os uacaris-de-Novaes (Cacajao novaesi). “O amuna tem a pelagem mais branca e homogênea. Além disso, não apresenta a pelagem de coloração alaranjada na região peitoral, como em seus parentes”.


Novos primatas do Brasil — o zoólogo Felipe Ennes Silva (de camiseta verde) vasculha a floresta inundada das margens do rio Tarauacá, em busca do uacari-dos-karamaris


RELÓGIO MOLECULAR

O trabalho de descrição envolveu uma série de expedições de campo entre 2013 e 2018 ao rio Tarauacá, que dista 750 km em linha reta de Tefé. Felipe também visitou coleções em museus no Brasil, Europa e Estados Unidos, para poder analisar o padrão de coloração de pelagem dos demais uacaris-calvos.

Mas foram as evidências provenientes da análise genômica que se mostraram decisivas para Felipe nomear a nova espécie. Ao comparar o DNA dos uacaris-calvos, Felipe pôde estabelecer quando foi que as espécies de uacaris divergiram umas das outras. Descobriu que elas são todas muito recentes.

“Segundo o relógio molecular, o ancestral comum de todas as cinco espécies de uacaris-calvos viveu há apenas meio milhão de anos”, diz Felipe. Do ponto de vista evolutivo, isso foi ontem. Já o ancestral comum tanto dos uacaris pretos quanto dos calvos viveu apenas há um milhão de anos, ou seja, anteontem. 

Os parentes mais próximos de todos os uacaris (pretos e calvos) são os cuxiús (gênero Chiropotes), que habitam as matas do Leste da Amazônia, mais de mil quilômetros a oeste. Segundo Felipe, a divergência entre os ancestrais comuns de cuxiús e uacaris ocorreu há 5 milhões de anos.


novos primatas do Brasil
Novos primatas do Brasil — mapa mostra a localização geográfica das cinco espécies de uacaris-calvos. A nova espécie, o uakari-dos-karamaris (C. amuna) habita a região amarela, na margem direita do rio Tarauacá


MEIO MILHÃO DE ANOS

A imensidão dos rios amazônicos é responsável pela tremenda diversidade da região, a maior do mundo. No caso do rio Tarauacá, por exemplo, se durante a seca a distância mínima entre suas margens é mais de 200 metros, na época das chuvas a boca do rio aumenta exponencialmente. Tanto na seca quanto no período chuvoso, tais distâncias constituem uma barreira insuperável para os uacaris. 

É daí que se entende a razão para a diferenciação entre as espécies de uacaris. Pode-se imaginar que, há meio milhão de anos, as várzeas de uma das margens do Tarauacá eram habitadas por uma única população de uacaris-calvos. Graças, por exemplo, a um evento de seca extrema que baixou drasticamente o nível do rio e aproximou suas margens, alguns uacaris conseguiram alcançar a margem oposta, seja pulando de galho em galho ou então caindo na corrente e conseguindo atravessá-la. 

Ao fazê-lo, eles se tornaram os fundadores de uma nova linhagem de uacaris-calvos. Ao longo de milhares de anos de isolamento, seus descendentes foram se diferenciando até formarem uma espécie distinta daquela da margem oposta do rio. Algo parecido deve ter acontecido entre os ancestrais dos uacari-dos-kanamaris e dos uacaris-de-Novaes. Apenas não sabemos qual das duas espécies seria a população original, e qual teria fundado uma nova linhagem do outro lado do Tarauacá.



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