CLIQUE PARA AMPLIAR – As ruínas do Portal, no Labirinto 1

OS INCAS NO BRASIL I — Cidades perdidas em RondÔNIA

Em Rondônia, ocultas pela mata, duas cidadelas perdidas de 700 anos são a mais forte evidência da presença dos incas no Brasil

A mera existência do Forte Príncipe da Beira (confira aqui a sua localização) já seria motivo de sobra para que o município vizinho de Costa Marques se tornasse um ponto turístico de interesse nacional, com importância similar às Missões Jesuíticas do Rio Grande do Sul ou às cidades históricas de Minas. Infelizmente, não é o que acontece. Apesar de ser algo conhecido em Rondônia (por exemplo, a imagem de seu portal faz parte do brasão da polícia militar do Estado), o Forte Príncipe da Beira é virtualmente desconhecido no restante do País.

Mas esta reportagem não é para tratar do descaso com aquele magnífico forte colonial de 248 anos. Não, não é. O que vocês, leitoras e leitores, estão prestes a conhecer é aquela que bem pode ser a maior descoberta arqueológica da história brasileira — e um dos sítios arqueológicos mais importantes das Américas.

O que as matas intocadas nas cercanias do Forte Príncipe da Beira escondem é um segredo de séculos… para não dizer milênios. Diante da Bolívia, na margem brasileira do rio Guaporé, totalmente cobertas pelo manto das árvores, erguem-se as portentosas ruínas de não uma, mas duas cidadelas esquecidas pelo tempo.

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Incas no Brasil — Uma das muralhas do Labirinto 1, com o arqueólogo Carlos Augusto Zimpel (no alto) e o líder quilombola Elvis Pessoa, ao pé da muralha (imagens: DARQ/UNIR)


ARQUIPÉLAGOS NA MATA

Labirinto é como os membros da comunidade quilombola ao lado do forte chamam aquele emaranhado de largos corredores que serpenteiam pelo interior das duas cidadelas perdidas: Labirintos 1 e 2. Os quilombolas descendem dos mais de mil escravos trazidos para construir o forte há 250 anos.

O nosso guia até o Labirinto 1 foi Elvis Pessoa, líder comunitário quilombola e um dos descobridores das cidades perdidas. “Conheço aquelas ruínas desde criança. Eu e meu irmão íamos lá brincar quando acompanhávamos nosso pai pela mata, a caminho do seringal onde ele coletava látex”.  

Para chegar em Labirinto 1, é preciso percorrer uns quatro quilômetros da estrada de terra que liga o Forte Príncipe da Beira a Costa Marques, a 23 km dali. Uma vez no local indicado por Elvis, embrenha-se à direita pela mata, e caminha-se por cerca de 150 metros até se atingir as primeiras construções. Já o Labirinto 2 se encontra do lado esquerdo da estrada, a uma distância de menos de um quilômetro através da mata.

Ambas as cidades são formadas por dezenas de gigantescos patamares de terra batida, alguns com mais de 200 metros de circunferência, e que se elevam a partir do chão da floresta. 

Não espere ver construções em forma de quadrados nem retângulos ou círculos. Os patamares têm tamanhos os mais variados e são todos bastante disformes. Em conjunto, parecem as diversas ilhas de um pequeno arquipélago. No lugar dos estreitos a separar uma ilha da outra, em Labirinto 1 e 2 existem corredores labirínticos, alguns com centenas de metros de ponta a ponta.

Todos os patamares são flanqueados por enormes muralhas de arrimo que variam de 4 a 6 metros, mas que em um caso extremo chegam a atingir 18 metros de altura, equivalente a um edifício de 6 andares. Para atingir seu topo, cada patamar possui uma rampa de acesso, sendo que a maior delas mede 40 metros. No alto de um dos patamares ficam os escombros do portal da foto que abre esta reportagem.

Incas no Brasil — Imagens em amarelo mostram o local e o formato dos patamares de Labirinto 1. O portal é a casinha vermelha um pouco acima do centro do Labirinto. Os 3 círculos vermelhos à beira rio são seus portos de pedra (imagens: DARQ/UNIR)
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Incas no Brasil — Mapas exibem a localização do município de Costa Marques, em Rondônia (abaixo à esq.), e o local dos Labirintos 1 e 2, indicados pelos dois pontinhos imediatamente à direita do Forte Príncipe da Beira (imagens: DARQ/UNIR)

 

AS CHEIAS DO GUAPORÉ

Mesmo decorridos séculos da sua construção (quantos séculos ainda não se sabe), impressiona a integridade das dezenas de patamares de Labirinto 1 e Labirinto 2. Isso fica tanto mais evidente quando se considera que cada patamar é formado pelo acúmulo de centenas de toneladas de terra e rocha, e que todos ainda se encontram intactos. Apesar do intenso regime de chuvas do verão amazônico, nenhum desmoronou. 

Mas não é só isto. Mais distante do rio Guaporé, Labirinto 2 se encontra em terreno elevado, longe do risco de inundações. Mas este não é o caso de Labirinto 1, que fica na região da várzea do Guaporé. Na seca, a cidade se situa a uma distância de 100 e 150 metros da margem do rio, onde os pesquisadores já encontraram três pequenos portos de pedra. 

Mas este cenário muda de figura na época da cheia do Guaporé, quando suas águas inundam toda a várzea, chegando mesmo a invadir os corredores de Labirinto 1 até a altura das canelas. 

“Durante a época de cheia do Guaporé, eu preciso caminhar no Labirinto usando galochas”, conta Carlos Augusto Zimpel, arqueólogo da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) que todos conhecem por Guto. Ele é o principal investigador daquelas ruínas. 

De acordo com Guto, a integridade atual dos patamares de Labirinto é testemunha da qualidade construtiva de suas muralhas de arrimo, erguidas com o uso de rochas quebradas sobrepostas umas sobre as outras, e hoje cobertas por uma grossa camada de limo.

“No passado, quando o trajeto do rio pode ter sido outro, a cheia do Guaporé poderia talvez inundar os corredores de Labirinto 1 com metros de água”, pondera Guto. “Seria esta a razão para as muralhas de arrimo serem tão altas? Ainda não sabemos”.

IN MEMORIAM:

Esta série de reportagens é dedicada ao líder comunitário quilombola e descobridor dos labirintos, Elvis Pessoa (1977-2023), entrevistado em fevereiro, dois meses antes de seu falecimento.

O Real Forte Príncipe da Beira, em Rondônia, a maior edificação colonial portuguesa do Brasil

LEIA TAMBÉM:

Os incas no Brasil — 2ª parte — Uma terceira cidade perdida? — Arqueólogos investigam possível existência de outras cidades perdidas na Amazônia

Os incas no Brasil — 3ª parte — A muralha misteriosa e um forte inca — Muralha em morro de granito de Rondônia e fortificação rochosa na Bolívia sugerem a presença dos incas no Brasil dois séculos antes de Cabral

13 comentários em “Os Incas no Brasil I — Cidades perdidas em Rondônia”

  1. Jorge Velarde

    Eu te garanto que a gente tambem tera uma portada na national geographics .E ademais peço desculpas pelo meu portuguez, eu sei , e muito ruim. Obrigado de novo.

  2. Finalmente a cidade do labirintos foi redescoberta, fui lá algumas vezes com o Elvis Pessoa, adorava os passeios, e ficava inconformada com o descaso que aquele patrimônio era tratado. Espero que,realmente estudem e preservem, não só o labirinto, como outras descobertas do finado Elvis naquela região, há muitos petrogrifos tbm. Que estão se apagando com o tempo, cerâmicas e vasos funerários. Agradeço a divulgação.

  3. Parabéns pelo belíssimo trabalho de pesquisa e pela dedicação. Não é fácil fazer ciência no Brasil. Espero que pesquisa alcance êxito e fico no aguardo para as publicações das descobertas.

  4. Estimado Peter, soy antropólogo peruano. Estoy acabando de escribir un libro sobre el gran Túpac Inca Yupanqui, el primer gobernante Inca, que se expandió por el norte hasta los Pastos en Colombia y llegó al Sur de Chile. Por el oeste a la Oceanía, en grandes barcos de totora, en dos años de ausencia, según los cronistas. Por el Anti, que es el Este, la amazonia, llegó a los Chiriguanas. Pero recientemente se ha descubierto un complejo arqueológico en Mendoza, más allá de lo que se creía. Se ha descubierto en la Laguna del Diamante. Ahora tú, das una sorpresa al mundo. He revisado los documentos portugueses del Peabirú, lo que daría el dato que Túpac Inca Yupanqui, sería el que ha llegado a estas zonas de la amazonia. En verdad felicitaciones me permitirás citarte. Un gran abrazo. FELICITACIONES

  5. sebastian apesteguia

    muy interesante. Y en especial muy lógico por la época. Sería interesante conocer bien que grupos habitaban la zona en ese entonces, pues los incas no se movían sin aliados. Algun grupo local los debe haber apoyado politicamente y laboralmente (mitmakuna).

    1. Sebastián, mira, los arqueólogos todavía están al principio de su trabajo. y por la extensión de las Ruinas, hay trabajo para la vida de muchos investigadores. para saber con qué pueblos se aliaron los incas, es necesario encontrar evidencia material en futuras excavaciones. para mí, estas ruinas serán noticia mundial en el 2do semestre, luego de que los investigadores sobrevuelen la región y, utilizando el radar Lidar, puedan conocer la extensión real de las ciudades escondidas en la selva. Dado que los fondos para el uso del radar provendrán de National Geographic, ¡puede apostar que tendremos una portada de NatGeo! Fuerte Abrazo. Peter

    2. Rolando Alvarez

      Los Incas tenían relaciones comerciales con nativos selváticas como los Matshiguengas en las cordilleras del Pantiacollo.

  6. Maria Cristina de Azevedo

    Muito bacana as reportagens sobre a ocupação da Amazônia brasileira possivelmente pelos Incas. Utilizarei em sala de aula, com meus alunos dos 1° anos. Obrigada ciência!!!!

    1. Puxa, profa Maria Cristina, obrigado. Sinto-me envaidecido!
      Amanhã público a 3a e última parte desta série de reportagens (é a mais legal das 3!! Aguarde) um abraço forte, Peter

      1. Flávio Araújo

        Muito Interessante. Quais dados da pesquisa levam a conclusão do período que foram construídos e a identificação com a Cultura Inca, pré-colombiana, diferenciando-a de outra intervenção antropomorfica mais recente?

        1. Oi Flavio, blz? Seguinte, os pesquisadores não contam quais são os dados que têm em mãos antes da publicação de um artigo científico. No caso da Labirintos de Rondônia, acredito que o 1o artigo só venha a ser publicado no final do ano. Mas para responder às suas perguntas, sugiro que você leia a 3a parte da reportagem. Lá tem diversas respostas, que não caberiam no espaço de um lá resposta ao seu comentário. Leia lá, por favor. Abraço!

          1. Jorge velarde

            Oi Peter , boa tarde . Meu nome e jorge Velarde e sou aviador civil radicado na cidade de Riberalta, Bolivia. Ali mesmo onde tem a fortaleza inca de las piedras. Tenho importante informaçao ao respeito do origem da fortaleza do laberinto, sei que a construiu e quando . e da ubicaçao de uma outra do lado da Bolivia chamada de fortaleza do Epóre (PAITITÍ),nas cronicas de Sevilla, españha e construida por Manco Inca junto com uma ponte de criznexas ( conheço o sitio onde foi construido) e talhou uma montanha com a forma de um animal da terra (manatti, e Tambem sei onde e que fica) Esa montanha deveria ser declarada pela UNESCO como a pedra talhada mais grande do mundo , tem seis kilometros de comprimento. e mais grande do que a de Samaypata o que de fato a transformaria em patrimonio da humanidade . Poderiamos fazer um artigo ao respeito.? Meu numero de celular e 591 71694797 Sei que e do seu interesse. Me liga por favor. Brigado de antemâo

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