- Peter Moon
- 26/04/2023
- 16:54
OS INCAS NO BRASIL III — A muralha no fim do mundo
Muralha de 400 m no topo de um morro entre Rondônia e Amazonas é mais uma evidência concreta da passagem dos incas no Brasil. Arqueólogo finlandês achou nos arquivos coloniais em Madri indícios de expedições dos incas no Brasil, no séc.14
Além das duas cidades perdidas em Rondônia (leia aqui a 1ª parte desta reportagem), existem na Amazônia ao menos dois sítios arqueológicos com muralhas semelhantes àquelas encontradas nos Labirintos 1 e 2. Um destes sítios também fica em Rondônia, perto da fronteira com o Amazonas. O outro, é na Bolívia.
“Em Rondônia há uma enorme muralha na Serra da Muralha (sic)”, conta o arqueólogo Eduardo Góes Neves, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP). “E na Bolívia tem o fantástico sítio de Las Piedras!”
A SERRA DA MURALHA
O município mais próximo da Serra da Muralha é Nova Mamoré (RO), que fica 250 quilômetros a noroeste dos Labirintos. Trata-se de uma imensa colina rochosa, ou melhor, de um imenso afloramento granítico, desprovido de vegetação, e que se ergue abruptamente do plano da floresta, sobressaindo-a em mais de 100 metros. A Serra está incrustada numa imensa concessão florestal de 30 mil hectares, explorada pela empresa Ecolog Florestal, que realiza manejo florestal para extrair madeira certificada.
Como você já deve ter adivinhado, a Serra da Muralha leva este nome justamente devido à misteriosa muralha de pedra que existe no topo careca daquele bloco gigante de granito.
Guto, ou Carlos Augusto Zimpel, o arqueólogo da Universidade Federal de Rondônia que pesquisa os dois Labirintos, já teve a oportunidade de visitar aquele local isolado e de difícil acesso há uns 10 anos. De acordo com Guto, o sítio arqueológico consiste numa muralha de pedra, de traçado circular e diâmetro de 388 metros. A muralha tem entre um metro e 120 centímetros de altura, e entre 90 centímetros e um metro de espessura.
Apesar de não contar com a mesma majestade das muralhas dos Labirintos, a muralha no alto da serra foi construída aparentemente com a mesma técnica de aglomerado de rochas sobrepostas umas sobre as outras. Em outras palavras — e na visão pessoal deste repórter que vos fala – imagino que se fosse possível transportar aquela muralha para dentro dos Labirintos, ela seria facilmente confundida com as demais edificações.
Mas, como fiz questão de salientar, essa é a minha impressão. Não é (ainda) uma afirmação científica avalizada pelos pesquisadores, pois lhes faltam evidências, ou seja, falta escavar o local e encontrar, por exemplo, cacos de cerâmica ou restos de fogueiras que possam ser datados pelo método do Carbono 14, a datação radiocarbônica.
Ainda não se sabe a razão pela qual alguém teria construído aquela muralha perdida no alto de um rochedo isolado nos confins da floresta. Mas, como a muralha fica mais de 100 metros acima do entorno florestal, presumo que possa ter tido algum tipo de função defensiva, uma vez que lá de cima se avista tudo ao redor.
TAWANTINSUYU
Existe outro sítio com ruínas de pedra na região. Fica em Riberalta na Bolívia, 250 quilômetros a noroeste dos dois Labirintos em Costa Marques (RO), e 100 quilômetros a sudoeste da Serra da Muralha.
Seu nome é Fortaleza de Las Piedras, também conhecida como Fortaleza Victória.
Entre 2000 e 2003, arqueólogos da Universidade de Helsinque escavaram o local, situado na antiga confluência dos rios Beni e Madre de Dios, a quatro quilômetros de Riberalta.
A Fortaleza de Las Piedras é formada por uma enorme muralha circular de blocos conglomerados que segue a antiga margem de rio, ladeada por um fosso curvo de 600 metros de extensão. O interior das muralhas abrange uma área de 10 hectares, onde existem pequenos recintos com paredes baixas.
Ali, os finlandeses encontraram um punhado de cerâmica ao estilo inca. De acordo com eles, as datações radiocarbônicas do local sugerem que “a fortaleza inca de Las Piedras foi permanentemente ocupada entre os anos 1300 e 1600 (Siiriäinen et al 2003)”.
As escavações em Las Piedras foram precedidas por duas viagens exploratórias, em 1997 e 1998. O objetivo era investigar a hipótese do arqueólogo finlandês Martti Pärsinnen, da Universidade de Helsinque, de que a fronteira mais oriental de Tawantinsuyu (nome que os incas davam ao próprio império) ficaria consideravelmente a leste do que os historiadores sempre se convencionaram achar.
PAITITI
Contactei Pärsinnen na Universidade de Helsinque via correio eletrônico, e ele me forneceu os artigos surpreendentes que escreveu com base nas suas andanças pelos arquivos coloniais em Madri, na Espanha. Pärsinnen me foi apresentado pelo paleontólogo gaúcho Alceu Ranzi, atualmente na Universidade Federal de Santa Catarina, mas que fez quase toda a sua carreira na Universidade Federal do Acre. Por mais de duas décadas, Alceu percorreu a floresta em busca de fósseis. Ao longo de suas peripécias pela mata, Alceu também acabou se interessando por arqueologia, atualmente o seu principal foco de pesquisa. No final de 2022, Alceu e Pärsinnen enfrentaram 10 horas tediantes de carro para ir de Porto Velho até o Forte Príncipe da Beira, e assim visitar os Labirintos.
Ah sim! Alceu é meu amigo há 25 anos, desde quando participamos de uma expedição em Rondônia à procura do Mapinguari, um famigerado monstro da mitologia amazônica. Em 1993, o ornitólogo David Oren, então no Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém, sugeriu que o Mapinguari pertenceria a uma derradeira população de preguiças terrestres que teria sobrevivido às extinções do final do Pleistoceno, e viveria há dez mil anos reclusa no Oeste da Amazônia. Alceu entrou na expedição por ser especialista nas extintas preguiças terrestres. E eu, por ter dado aquele furo de reportagem.
A gente vasculhou ao longo de 20 dias dezenas de hectares de floresta na reserva dos índios Karitiana, próxima da divisa de Rondônia com o Acre. Não achamos nada. Para mim, o principal dividendo daquela aventura foi poder contar desde então com a amizade de Alceu e David. Escrevo tudo isso para poder agradecer ao Alceu. Foi ele quem, há duas semanas, me cantou a bola sobre as incríveis ruínas dos Labirintos que havia acabado de visitar ao lado de Pärsinnen, uma história incrível que pude agora compartilhar com você por meio desta reportagem.
Mas voltemos a Pärsinnen. No início dos anos 1990, em Madri, ele consultou manuscritos espanhóis de meados do século 16 que lhe forneceram as primeiras evidências documentais da ocupação inca no Oeste da Amazônia. O arqueólogo finlandês encontrou crônicas e textos em khipu (a forma de escrita dos incas) que citam com frequência uma expedição lançada pelo Inka (rei) Tupac Yupanqui. Tal expedição teria cruzado a Cordilheira dos Andes em três contingentes e prosseguido ao longo do rio Beni até a antiga Paititi.
“Paititi é o nome de uma área mencionada em antigos documentos coloniais, através da qual os incas tentaram estabelecer contato e assegurar o acesso a mercadorias como óleo de palmeira, coca, ouro e plumas. Paititi foi por um curto período integrada ao império inca”, afirma Pärsinnen.
Prosseguindo a leitura das crônicas coloniais, Pärsinnen descobriu que aquela grande expedição inca teria chegado até a confluência dos rios Beni e Madres de Dios, na Amazônia boliviana. “Os incas alegadamente construíram ali uma fortificação”.
Ora, a antiga confluência do Beni com o Madre de Dios nada mais é do que a localização exata da Fortaleza de Las Piedras!
Segundo o finlandês, os incas não pararam por ali. As crônicas dão conta de que eles se aventuraram “mais a jusante (ou seja, seguindo o curso do rio), possivelmente atingindo Pacaás Novos, onde hoje é o Brasil”, escreve.
Pois fique você sabendo que, bem no centro de Rondônia, existe atualmente o Parque Nacional de Pacaás Novos!

GRILHÕES DO MÉTODO CIENTÍFICO
Não sei no seu caso, cara leitora, caro leitor, mas quando li esta passagem do artigo de Pärsinnen o meu queixo caiu! Vamos e convenhamos: é coincidência demais da conta, concorda?
Como já observei, AINDA não é possível afirmar categoricamente a presença dos incas no Brasil. Nem que foram eles que ergueram as dezenas de muralhas de arrimo das cidadelas dos Labirintos 1 e 2, ou a muralha da serra homônima.
Para tanto, reza o método científico que os arqueólogos da UNIR e do MAE-USP ainda terão muito trabalho pela frente. Terão obrigatoriamente que escavar os dois locais em busca de evidências incontestáveis da presença inca, como cacos de cerâmica passíveis de datação radiocarbônica.
Até o momento, a única evidência existente é o fragmento de um pote de cerâmica feito com torno (na foto acima), típico do período colonial, achado no Labirinto 1, próximo do portal. “As únicas evidências materiais encontradas até o momento remetem ao período colonial, e são semelhantes ao que foi achado em escavações no Forte Príncipe da Beira”, afirma Guto.
Para o bem ou para o mal, todos os bons pesquisadores são balizados pelo método científico. No entanto, a existência de fragmentos de cerâmica semelhantes tanto nos Labirintos quanto no Forte demonstra apenas e tão somente que, quando o Forte Príncipe da Beira era ocupado há 250 anos, alguns de seus ocupantes chegaram a conhecer ou mesmo viver nas ruínas dos Labirintos. Isto não quer em absoluto dizer que a legião de escravos que construiu o forte também teria erguido os patamares dos dois Labirintos.
Quanto a mim, não sou arqueólogo, portanto, tenho o direito de achar o que bem entender — mesmo que no final das contas aceite que estava errado. Para mim, as crônicas de época reveladas por Pärsinnen são um indício fortíssimo da presença dos incas no Brasil ao menos dois séculos antes da chegada de Cabral.


ASAS À IMAGINAÇÃO
A chegada dos incas a Rondônia não seria de espantar, uma vez que no auge de seu império, imediatamente antes da chegada dos conquistadores espanhóis em 1521, se estendia por mais de 4 mil quilômetros. O império corria ao longo e ao largo da Cordilheira dos Andes, desde o sul da Colômbia, passando por Equador e Peru (onde tinham sua capital Cusco), até metade do Chile, invadindo a leste partes da Argentina e Bolívia. Por que não imaginar que os incas poderiam muito bem ter cruzado os mil quilômetros de floresta amazônica que separam a Cordilheira de Rondônia?
Para mim, a chegada dos incas ao Brasil se tornou praticamente uma certeza, quando coloquei lado a lado as imagens dos conglomerados de rocha que compõem as muralhas de arrimo dos Labirintos de Rondônia, a muralha da Serra da Muralha e a muralha da Fortaleza de Las Piedras.
Dando asas à imaginação, eu quase consigo visualizar um contínuo entre as três fotografias (abaixo). É como se não houvesse divisão entre elas. É como se estivesse olhando a imagem de uma mesma muralha. Construída pelos incas há sete séculos, nas matas da fronteira mais longínqua de seu grande império, onde hoje ficam a Bolívia e o Brasil.
IN MEMORIAM:
Esta série de reportagens é dedicada ao líder comunitário quilombola e descobridor dos labirintos, Elvis Pessoa (1977-2023), entrevistado em fevereiro, dois meses antes de seu falecimento.
LEIA TAMBÉM:
Os incas no Brasil — 1ª parte — As cidades perdidas da Amazônia — Conheça os Labirintos 1 e 2, as duas cidades perdidas de Rondônia
Os incas no Brasil — 2ª parte — Uma terceira cidade perdida? — Arqueólogos investigam possível existência de outras cidades perdidas na Amazônia
9 comentários em “Os Incas no Brasil III – A muralha no fim do mundo”
Existem evidencias acadêmicas da incursão constante para o “MANCA -SUYU” nos tempos ainda dos PUQUINA. Existia um intenso corredor comercial com essa região que não surpreende que tenham chegado até os labirintos de Costa Marques.
Felicitaciones. UN motivo potente para construir una historia común.
muchas gracias Eduardo. saludos desde Sao Paulo
Que bueno que ponga a disposición estas nuevas investigaciones, grandioso
Gracias Jorge, Por supuesto! saludos desde Sao Paulo
Muy interesante y es posible que sea incas…podrian ser huyendo de los españoles…??
Gracias, Poul. No creo. Creo que son fuertes anteriores al arribo de los españoles. saludos
Me parece sumamente interesante estos descubrimientos que parece indicarnos que los Incas llegaron a Brasil. Felicitaciones a todos los científicos y periodista que nos hacen llegar estos descubrimientos tan espectaculares.
Muchas Gracias, Nora!