cidades perdidas da amazônia parte 2
CLIQUE PARA AMPLIAR – Muralha circular de Labirinto 2

OS INCAS NO BRASIL II — Uma 3ª cidade perdida?

Além das duas cidadelas já encontradas, arqueólogos investigam a existência de outras cidades perdidas incas no Brasil. Uso de radar especial irá revelar novas ruínas

Arqueólogos da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP) estão apenas começando a desvendar os segredos das cidades perdidas de Rondônia, as mais fortes evidências já encontradas da chegada dos incas no Brasil. 

Carlos Augusto Zimpel, ou Guto, como todos o chamam, é o arqueólogo da UNIR que mais conhece o local, tendo explorado as ruínas uma dezena de vezes. Ele estima que as duas cidades perdidas Labirinto 1 e 2 (leia aqui a 1ª parte desta reportagem) possam ocupar uma área de 20 a 50 hectares, ou seja, até 50 quarteirões. “Em seu tempo, Labirinto 1 e 2 eram cidades grandes. Ali viviam milhares de pessoas”. 

Mas a área das ruínas pode ser muito maior, uma vez que toda a região é coberta pela mata e ainda não foi inteiramente explorada. Elvis Pessoa, o líder da comunidade quilombola vizinha ao Forte Príncipe da Beira e ao 1º Pelotão Especial de Fronteira do Exército lá estacionado, suspeita da existência de uma terceira cidade perdida, mais distante, num local mais inóspito, e que ainda se mantém oculta das vistas dos homens. 

Como Elvis foi um dos descobridores dos dois Labirintos, sua suposição de que haveria uma terceira cidade deve ser levada muito a sério. Tal hipótese poderá em breve ser descartada ou comprovada, quando os pesquisadores conseguirem revelar tudo o que a mata esconde.

arqueólogo Guto Zimpel
Incas no Brasil – o arqueólogo Carlos Augusto Zimpel, da UNIR, diante de uma das muralhas de Labirinto 2 (imagens: DARQ/UNIR)

 

SOLO INFRAVERMELHO 

No segundo semestre, Guto e o arqueólogo paulista Eduardo Góes Neves, o Edu, do MAE-USP, vão sobrevoar toda a região e esmiuçar atentamente o solo empregando um aparelho chamado LIDAR (do inglês Light Detection and Ranging).

LIDAR é um tipo de radar que dispara feixes de laser no comprimento de onda infravermelho, invisível ao olho humano. Porém, todos nós o conhecemos muitíssimo bem. Quando sentimos o calor do Sol na pele, o calor que nos esquenta nada mais é do que os raios solares no comprimento infravermelho. Da mesma forma, os óculos de visão noturna detectam o calor (ou mais precisamente, os raios infravermelhos) emitido por corpos de humanos e animais. 

Por estarem vivas, as plantas também emitem calor, embora em muito menor grau do que os animais, sendo obviamente mais ativos, portanto mais quentes. O LIDAR funciona separando o calor emitido pela vegetação do calor refletido pelo solo da floresta, que é bem mais frio.

O dispositivo é muito usado na arqueologia e já foi responsável, por exemplo, pela descoberta de cidades maias na América Central. “O LIDAR fornece imagens do solo com resolução de um centímetro. Saberemos exatamente tudo que a mata esconde. Se houver outros patamares, ou quaisquer outros tipos de construções, ou mesmo um terceiro Labirinto, nós encontraremos”, afirma Guto.

“Eu ainda penso que os Labirintos são do tempo da construção do Forte Príncipe da Beira, mas não apostaria cinco reais nisso. O Lidar revelará tudo o que existe na região,” avalia Edu. O uso do equipamento foi garantido graças a um convênio entre o laboratório de Edu e a americana National Geographic Society.

LIDAR
Imagem aérea infravermelha do rio Mississippi, nos EUA, exemplifica o potencial do LIDAR. Este radar atravessa a vegetação das margens para revelar os antigos meandros do rio, hoje secos. A mesma tecnologia será usada nos Labirintos para revelar o que a floresta da região esconde (divulgação)


PONTOS FORA DA CURVA

Guto, o arqueólogo da UNIR, foi orientando no doutorado do Edu. Foi aquela pesquisa de Guto que acabou por levá-lo à Rondônia, de onde nunca mais foi embora. Ele passou os últimos 15 anos investigando centenas de sítios arqueológicos indígenas que se espalham por todo o Estado. “Mas Labirinto 1 e 2 não guardam semelhança com nenhum deles”, afirma. 

A Arqueologia Amazônica é marcada principalmente pela investigação dos chamados sítios de terra preta. São locais de antigos povoamentos indígenas, cuja ocupação ao longo das décadas e séculos acabou por cobrir o solo com uma camada escura de matéria orgânica, daí seu nome terra preta. 

Uma característica destes sítios é que em nenhum deles se encontra construções visíveis, uma vez que as antigas tabas de madeira e folhagem que lá existiam há muito desapareceram. Suas estruturas acabaram desmoronando pela ação dos elementos e sendo corroídas por fungos e microrganismos. O que restou foram muitos cacos de cerâmica.

De acordo com Guto, as duas cidades perdidas de Rondônia diferem de tudo o que se conhecia até hoje na Amazônia. À exceção das cidades incas na vertente oriental dos Andes (o caso de Machu Picchu) e alguns poucos sítios na Bolívia, jamais se encontrou nenhuma outra cidadela erigida em pedra — quão mais duas, uma ao lado da outra!

“Não conheço nada parecido. Nem em Rondônia, nem no restante da Amazônia, nem em nenhum lugar do mundo”, afirma Guto, com a segurança de quem é especialista em Arqueologia Amazônica e professor de Arqueologia da América do Sul na UNIR.

Mas existem, ao menos, dois outros sítios muito parecidos na América do Sul. Um deles fica na Bolívia. O outro, na Serra da Muralha, bem no centro de Rondônia.

“Em Rondônia há uma enorme muralha na Serra da Muralha (sic)”, revela Eduardo Neves. “E na Bolívia tem o fantástico sítio de Las Piedras!”

Mas isso é um assunto para a 3ª Parte desta reportagem…


arqueólogo Eduardo Neves
Incas no Brasil – arqueólogo Eduardo Góes Neves, da USP, sentado no nível mais baixo de um poço de prospecção arqueológica no sambaqui Monte Castelo, em São Francisco do Guaporé (RO). No fundo do poço, Edu achou indícios de atividade humana em Rondônia há 6 mil anos (arquivo de Eduardo Neves)

PS:

Aqui uma oportuna ressalva: os brasileiros já poderiam há tempos ter tomado conhecimento das cidades perdidas de Rondônia, caso Guto tivesse sido contemplado com os pedidos de financiamento para iniciar a pesquisa arqueológica no local. Mas tanto o CNPq quanto a Fundação Rondônia (FAPERO) negaram seus pedidos de financiamentos. 

Esperemos que, das próximas vezes, estes órgãos de fomento à pesquisa tenham mais sensibilidade com a importância deste achado arqueológico. Não é sempre que se encontram possíveis vestígios da chegada dos incas no Brasil. Aliás, isto nunca aconteceu. É a primeira vez!!!

De acordo com Guto, “uma maneira de preservarmos a floresta amazônica é a pesquisa do patrimônio histórico. Além dos dados científicos, a pesquisa arqueológica ajuda a fortalecer as comunidades locais, que são agentes fundamentais para a preservação do patrimônio cultural e natural”.

Este é o caso da comunidade quilombola no Forte Príncipe da Beira. Para eles, o benefício econômico será imenso quando finalmente o governo de Rondônia e o governo federal transformarem o Forte e os Labirintos em pontos turísticos de interesse nacional.

IN MEMORIAM:

Esta série de reportagens é dedicada ao líder comunitário quilombola e descobridor dos labirintos, Elvis Pessoa (1977-2023), entrevistado em fevereiro, dois meses antes de seu falecimento.

LEIA TAMBÉM:

Os incas no Brasil — 1ª parte — As cidades perdidas da Amazônia — Conheça os Labirintos 1 e 2, as duas cidades perdidas de Rondônia

Os incas no Brasil — 3ª parte — A muralha misteriosa e um forte inca — Muralha em morro de granito de Rondônia e fortificação rochosa na Bolívia sugerem a presença dos incas no Brasil dois séculos antes de Cabral

1 comentário em “Os Incas no Brasil II — Uma 3ª cidade perdida?”

  1. Diogo Cajueiro

    Imagino que agora que o povo elegeu um presidente que preza pela ciência, o pedido de financiamento à pesquisa feito ao CNPq, tenha uma resposta positiva.
    E daqui pra frente vou acompanhar esse tema, por conta própria, pq realmente nunca vi esse assunto ser abordado na mídia, o que é uma pena.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Acompanhe Ciência Brasil nas redes sociais