a maravilhosa história DAS BORBOLETAS
Nova filogenia revela que as borboletas descendem de mariposas que trocaram a noite pela luz do dia na América do Norte, há 101 milhões de anos
- Peter Moon
- 23/05/2023
- 10:02

Quem veio primeiro, as borboletas ou as mariposas? A pergunta é capciosa, pois as borboletas são apenas um grupo entre os inúmeros da ordem Lepidoptera, a grande linhagem das mariposas. Em outras palavras, todas as borboletas são mariposas, porém só 12% das espécies de mariposas pertencem ao grupo das borboletas.
Segundo o site Enciclopédia da Vida, foram descritas até o momento 153.156 espécies de lepidópteros, ou mariposas, distribuídas em 16.841 gêneros e 130 famílias. Entre estas 130 famílias de mariposas, as borboletas se agrupam em sete famílias (há quem as classifioque em 10), que perfazem 1.829 gêneros e 19.022 espécies até o momento. O total de aumenta quase que diariamente.
Os fósseis mais antigos de borboletas têm “apenas” 55 milhões de anos. Seus restos foram achados em rochas do período Eoceno, na Dinamarca. Já as mariposas são muitíssimo mais antigas. Seus vestígios mais remotos têm 200 milhões de anos.
Como preencher esta monstruosa lacuna temporal de conhecimento? “Nada em Biologia faz sentido exceto à luz da evolução”, escreveu em 1973 o grande evolucionista ucraniano Theodor Dobzhansky, que praticamente introduziu o estudo da genética aos pesquisadores brasileiros como Antônio Brito da Cunha e Crodowaldo Pavan, em aulas memoráveis que tiveram lugar na USP, nos anos 1940.

ASAS ESCAMADAS
Em 1746, o naturalista sueco Lineu, o pai da taxonomia, pegou emprestadas as palavras gregas lepídos (escama) e pterón (asa) para cunhar o termo Lepidoptera. Não por acaso, os restos mais antigos de lepidópteros são cerca de 70 escamas de asas, pertencentes a mariposas que revoavam sobre a superfície de lagos que existiam na região da Alemanha há 201 milhões de anos, bem na passagem do Triássico ao Jurássico. Aquelas mariposas foram contemporâneas dos primeiros dinossauros e pterossauros. Elas já voavam uns 30 milhões de anos antes das primeiras aves alçarem voo.
Mas os primeiros lepidópteros são muito, muito anteriores. Num artigo publicado em 2019, um grupo internacional liderado pelo entomólogo americano Akito Kawahara investigou os genomas de 186 espécies de Lepidoptera, representando 34 superfamílias. Conseguiram inferir que os primeiros lepidópteros apareceram no final do período Carbonífero, há cerca de 300 milhões de anos.
Neste mesmo trabalho, descobriu-se que as mariposas desenvolveram a sua “tromba”, ou probóscide, no período Triássico Médio (cerca de 241 milhões de anos atrás), o que lhes permitiu se alimentar primeiramente da seiva das plantas. Muito mais tarde, há cerca de 140 milhões de anos, na passagem dos períodos Jurássico ao Cretáceo, as mariposas adotariam a probóscide como instrumento para coletar o néctar das primeiras flores, tornando-se assim polinizadores — exatamente o que as borboletas na sua fase adulta fazem até hoje.
A grande maioria das espécies de mariposas são noturnas. No entanto, todas as 19 mil espécies de borboletas são diurnas. Através dos dados genômicos, os autores do trabalho de 2019 conseguiram inferir que os fundadores da linhagem das borboletas eram provavelmente mariposas noturnas. Seus descendentes passaram a voar durante o dia em meados do período Cretáceo, há cerca de 98 milhões de anos.

CINTILANTE E CHIAROSCURO
Tanto as borboletas, quanto as aves e nós, primatas, somos todos animais diurnos. E enxergamos o mundo em cores. Daí se entende porque as borboletas possuem asas com padrões intricados e multicoloridos, incomensuravelmente mais vistosos do que a restrita paleta de cores à disposição das mariposas, onde se sobressaem tonalidades chiaroscuro de bege, marrom, cinza e preto.
No século 19, Charles Darwin e Alfred Wallace gastaram um bom tempo imaginando a razão por trás do dicromatismo sexual das borboletas, pois machos e fêmeas têm colorações diferentes. Darwin abordou diversas questões das borboletas em 389 cartas, como esta, destinada a Wallace:
“Se alguém se opusesse ao fato de as borboletas machos terem se tornado belas através da seleção sexual, e perguntasse por que, assim como as borboletas machos, as suas lagartas não se tornaram belas, o que você responderia? Eu não saberia responder, mas sustento a minha posição. Você poderia refletir sobre esta questão, e algum dia, por carta ou quando nos encontrarmos, me dizer o que pensa? Além disso, gostaria de saber se a sua borboleta fêmea é mais bonita e mais brilhante do que o macho?
Charles Darwin, carta para Alfred Russel Wallace, 23/03/1867
Para Darwin, o dicromatismo nas borboletas tinha a sua origem na seleção sexual. As borboletas macho, assim como os pavões, desenvolveram padrões exuberantes para atrair fêmeas. O que só faria sentido à luz do dia.

SELEÇÃO SEXUAL
Desde 2019, sabemos que isso ocorreu em meados do período Cretáceo, há 100 milhões de anos. Mas onde foi exatamente que um grupo de mariposas noturnas começou a privilegiar a luz do dia? Em qual região do planeta seus machos começaram a aproveitar o reflexo da luz do Sol em suas asas cintilantes para assim atrair parceiras?
Para responder a tal questão, fazia-se necessário coletar, processar e analisar uma quantidade monstruosa de dados genômicos do maior número possível de espécies de borboletas. Foi o que acabaram de fazer Akito Kawabara e um grupo de 90 colaboradores de diversos países – incluindo quatro brasileiras. Eles publicaram uma filogenia global das borboletas na revista Nature Ecology & Evolution.
O grupo inclui quatro pesquisadoras brasileiras: Mariana Braga, da Universidade Sueca de Ciências Agrárias; Helena Romanowski, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Ana Beatriz Barros Morais, da Universidade Federal de Santa Maria; e Ana Paula dos Santos de Carvalho, do Museu de História Natural da Flórida.
Neste novo trabalho, foram sequenciados 391 genes de 2.300 espécies de borboletas, amostradas em 90 países, para construir meticulosamente a maior árvore-da-vida das borboletas já compilada, representando 92% de todos os gêneros. A nova filogenia foi calibrada com informações de 11 fósseis de borboletas, e todos os dados foram mastigados por milhares de horas em quatro supercomputadores, três nos Estados Unidos e um na Alemanha.
“Obtivemos uma datação de 101,4 milhões de anos para a origem das borboletas, corroborando os dados anteriores. Isso teve lugar onde são hoje as Américas Central e do Norte”, afirma a bióloga carioca Mariana Braga, atualmente na Universidade Sueca de Ciências Agrárias, em Uppsala, a mesma cidade onde Lineu viveu e criou as bases da Taxonomia, há quase 300 anos.
Segundo o artigo, todas as famílias de borboletas existentes (com exceção de uma única) se diversificaram entre 80 e 60 milhões de anos atrás. Os resultados do trabalho sugere que as primeiras borboletas migraram da América do Norte para a Ásia cruzando o Estreito de Bering. Entre 75 e 60 milhões de anos atrás, elas colonizaram a Índia, que à época era uma grande ilha isolada no meio do oceano índico. Há cerca de 45 milhões de anos, o Sudeste Asiático tornou-se o principal centro de diversidade de borboletas, que de la dispersaram até a África.
Foi apenas nos últimos 30 milhões de anos que as Américas do Sul e Central se tornaram o epicentro da diversidade desses insetos. Das 19 mil espécies de borboletas descritas, 3.500 são sul-americanas. Estima-se, entretanto, que o número real possa chegar a 7 mil. Seus taxonomistas ainda têm um trabalho brutal pela frente.

EM TEMPO:
A nova filogenia das borboletas forneceu subsídios importantes para entender o papel das leguminosas e das gramíneas na diversificação das borboletas. As fabáceas (leguminosas, ou plantas com favas) e as poáceas (gramíneas) são as hospedeiras de predileção das borboletas. São também duas famílias de angiospermas que apresentaram enorme diversificação nos últimos 60 milhões de anos.
O sucesso evolutivo das borboletas pegou carona na diversificação de leguminosas e gramíneas? Ou teria sido o oposto?
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1 comentário em “A maravilhosa história das borboletas”
Muito importante essa contribuição sobre a origem e o tempo de vida das borboletas, tema de pesquisa que será desenvolvido no Ensino fundamental na sala que dou aulas…