- Peter Moon
- 20/01/2023
- 09:11

POR QUE AS BALEIAS SÃO GIGANTES?
Pesquisadores da Unicamp descobrem os genes responsáveis pela evolução do gigantismo nas baleias
É tamanho o fascínio que o gigantismo dos dinossauros exerce no nosso imaginário que não nos damos conta de como somos afortunados em dividir o planeta com o maior animal que já existiu, a baleia-azul. Podendo atingir até 30 metros de comprimento e pesar mais de 150 toneladas, a baleia-azul tem o dobro do tamanho do Patagotitan mayorum, um titanossauro que viveu há 100 milhões de anos na Argentina, foi o maior dos dinossauros e também o maior animal terrestre que existiu.
A baleia-azul não está sozinha em seu gigantismo. A baleia-da-Groenlândia (até 27 metros), a baleia-comum (até 25 metros), o cachalote (até 20 metros), a jubarte (até 19 metros), a baleia-franca e a baleia-cinzenta (até 15 metros) são todas descomunais.
Todos os cetáceos, o grupo de mamíferos marinhos que compreende baleias, botos e golfinhos, descende de um ancestral comum, um carnívoro do tamanho de um lobo que trocou a terra firme pelos oceanos há cerca de 50 milhões de anos. Como e por que seus descendentes eventualmente assumiram tamanhas proporções?
Alguns indícios para elucidar a questão do gigantismo das baleias foram descobertos por pesquisadores da Unicamp, num trabalho publicado na revista científica britânica Scientific Reports.
A pesquisa foi o tema da dissertação de mestrado de Felipe André Silva, com orientação da bióloga Mariana Freitas Nery, do Instituto de Biologia da Unicamp. Para esta reportagem, Felipe concedeu uma entrevista exclusiva ao nosso canal.

Genoma baleeiro
Ao analisar o genoma de espécies de 19 baleias, todas com mais de 10 metros de comprimento, Felipe encontrou alguns genes suspeitos. Todos eles têm funções no hormônio do crescimento e nas vias da insulina. Já se sabia que tais genes estão relacionados ao tamanho do corpo do gado, por exemplo. A novidade é descobrir exercem papel importante na enormidade dos cetáceos.
Ao comparar nove desses genes relacionados ao tamanho do corpo em 19 espécies de baleias de tamanhos diferentes, Felipe encontrou evidências de seleção natural positiva em quatro deles, chamados GHSR, IGFBP7, NCAPG e PLAG1, além de um possível “desligamento” do gene EGF.
O GHSR é um gene envolvido na liberação do hormônio do crescimento, peso corporal, metabolismo energético, apetite e acúmulo de gordura. IGFBP7 promove o crescimento e divisão celular. NCAPG está associado ao crescimento em pessoas, cavalos, burros, bovinos, suínos e galinhas. Já o PLAG1 atua no crescimento corporal em bovinos, suínos e ovinos.

Perda dos dentes
Os cetáceos são divididos em dois grupos: o das baleias com dentes (odontocetos, como o cachalote e a orca) e o das baleias filtradoras (misticetos), o caso de todas as baleias gigantes, à exceção do cachalote. Um resultado inesperado da pesquisa veio de um gene chamado EGF, ou fator de crescimento epidérmico. O desligamento desse gene foi detectado apenas no genoma das baleias filtradoras.
De acordo com Felipe, o gene EGF está relacionado ao desenvolvimento dos dentes. Portanto, seu desligamento nas baleias filtradoras pode estar relacionado à perda de dentes nesses cetáceos. Por que isso?
Imagine este cenário: há 50 milhões de anos, um animal do grupo dos artiodátilos (dos porcos, gado, hipopótamos, camelos e girafas) vivia em terra firme, mas se alimentava no mar, como fazem as focas e leões-marinhos. Em algum momento de sua história evolutiva, este animal trocou definitivamente a terra pela água.
A adaptação de seus descendentes ao ambiente aquático foi acompanhada por modificações morfológicas e fisiológicas, como o desenvolvimento de corpos hidrodinâmicos, a perda de pelos corporais para redução do atrito com a água, e a perda dos membros posteriores.
Outra vantagem foi a evolução do gigantismo, adaptação com vantagens óbvias, ao servir para afastar os predadores. Foi aí que, sugere o trabalho dos cientistas brasileiros, entraram em ação os genes GHSR, IGFBP7, NCAPG e PLAG1.
Mas o gigantismo tem também uma desvantagem bastante óbvia. Quanto maior o animal, mais comida ele precisa para sobreviver. Nos oceanos, isto significa conseguir engolir toneladas de krill, um crustáceo microscópico, ou então de abocanhar de uma só vez milhares de sardinhas e de lulas.
É assim que se alimentam os misticetos, as baleias filtradoras. Como sugere o trabalho dos pesquisadores brasileiros, o desligamento de gene EGF teria exercido papel fundamental na adaptação alimentar dos misticetos.
Isso teria ocorrido há cerca de 10 milhões de anos com o ancestral comum de todas as baleias filtradores. A partir do desligamento do gene EGF, seus descendentes foram gradativamente perdendo os dentes. Em seu lugar surgiram as barbatanas filtradoras. Sua função é justamente permitir que, a cada bocada de alimento, as baleias-azuis possam expelir milhares de litros de água, ao mesmo tempo, em que se retém as sardinhas.
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1 comentário em “Por que as baleias são gigantes?”
Muito legal, Peter! Assunto muito interessante e texto delicioso de ler! Parabéns aos pesquisadores.
Abraços!