Priscas Eras
Uma história ilustrada da evolução da vida na América do Sul
- Peter Moon
- 31/05/2023
- 16:47
Ilustração: Maurílio Oliveira
O Sul do Brasil no Permiano inferior, há 290 milhões de anos
No início do período Permiano, há 290 milhões de anos, o Brasil ficava no supercontinente Pangeia. Onde hoje é a região Sul era o mar Irati. Aquele antigo corpo de água salgada ocupava uma área de 1 milhão de km². O mar Irati se estendia pelos estados de São Paulo, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e até partes do Uruguai, Paraguai e Argentina. Era um mar raso, com cerca de 200 metros de profundidade.
Lá viviam criaturas estranhas e maravilhosas. A mais conhecida de todas é o mesossauro (Mesosaurus tenuidens), um réptil com cerca de 1,5 metro de comprimento, adaptado a nadar e comer peixe.
O mesossauro é um animal importante por dois motivos.
Na história da vida na Terra, os mesossauros foram os primeiros animais vertebrados terrestres cujos ancestrais retornaram a uma vida marinha. Trata-se do mesmo caminho evolutivo seguido pelos ancestrais das baleias, golfinhos, manatis, focas e lobos-marinhos — ou, no tempo dos dinossauros, pelos ancestrais dos ictiossauros, pliossauros e mosassauros.
O mesossauro também é um animal importantíssimo para a história da ciência.
Os primeiros fósseis de mesossauros foram achados na Namíbia em meados do século 19. A partir do início do século 20, restos de mesossauros também começaram a ser encontrados em minas de calcário em SP, PR, SC, RS e no Uruguai.
O fato de os mesossauros serem achados nos dois lados do Atlântico Sul, em locais separados por mais de 6 mil quilômetros de oceano, foi uma das principais evidências paleontológicas levantadas para corroborar a teoria da deriva dos continentes.
No Permiano, todos os continentes estavam unidos no supercontinente Pangeia. América do Sul e África se encontravam coladas. Foi exatamente numa depressão entre aqueles futuros continentes que se formou o mar Irati, o lar dos mesossauros.
Mais uma curiosidade: os mesossauros também inovaram na forma como seus filhotes nasciam. Diferentemente da quase totalidade dos répteis, os mesossauros não punham ovos. As fêmeas carregavam seus embriões no útero e davam à luz aos bichinhos dentro d’água.
SAMAMBAIAS GIGANTES E TUBARÕES-DE-ÁGUA-DOCE
No período Permiano, entre 298 e 252 milhões de anos atrás, a vegetação do planeta era muito diferente daquela que conhecemos. Na região Sul, as araucárias ainda não existiam. Nem plantas com flores, que surgiram apenas há cerca de 140 milhões de anos.
As florestas nas margens do mar Irati eram cobertas por árvores-samambaia. Trata-se de membros gigantes e há muito extintos do grupo das samambaias. Aquelas plantas tinham troncos rígidos e podiam atingir mais de 20 metros de altura.
Nos estuários dos rios que desaguavam no mar Irati, ao lado dos mesossauros nadavam xenacantos (ordem Ctenacantiformes). Trata-se de um grupo de tubarões-de-água-doce que viveu entre 360 e 220 milhões de anos atrás. Já foram achados fósseis de xenacantos em todo o Brasil, do Maranhão até Santa Catarina. Entre as diversas espécies descritas, as maiores podiam medir mais de 3 metros de comprimento. A espécie do mar Irati era o Sphenacanthus sanpauloensis, visto em primeiro plano na ilustração (abaixo, à esq).
Outro peixe cartilaginoso do mar Irati era Orodus ipeunaensis. Tinha cerca de dois metros e uma cabeça arredondada, como se pode observar no exemplar ao fundo da ilustração.
O peixinho no canto inferior esquerdo é o Itapyrodus punctatus, membro de outro grupo extinto, os Petalodontiformes. Estes peixes evoluíram há 350 milhões de anos, ainda no período Carbonífero, e desapareceram há 252 milhões de anos, na grande extinção do Permiano, a maior extinção em massa da história da vida na Terra.
MAURÍLIO OLIVEIRA é um artista plástico carioca especializado na reconstrução de organismos e ambientes extintos. Desde 1999, atua no setor de paleontologia de vertebrados do Museu Nacional, no Rio de Janeiro.
2 comentários em “O Sul do Brasil há 290 milhões de anos”
Não seria Mesossauris brasiliensis ou
Sterestern tumidum?
Obrigado por seu questionamento, Castorino. Pesquisadores num artigo de 2021 reclassificaram todas as 3 antigas espécies brasileiras como sinônimos de Mesossaurus tenuidens Gervais 1865.
Vide o artigo:
Piñeiro, G.; Ferigolo, J.; Mones, A.; Núñez Demarco, P. (2021). “Mesosaur taxonomy reappraisal: are Stereosternum and Brazilosaurus valid taxa?”. Revista Brasileira de Paleontologia. 24 (3): 205–235. doi:10.4072/rbp.2021.3.04. S2CID 244188443.