besouros rola-bosta

SOBRE BESOUROS, COCÔ E DINOSSAUROS

Será que os besouros rola-bosta adquiriram seu curioso hábito quando provaram o esterco dos dinos?

Quem preferir usar palavras elegantes, pode falar escaravelho. Já para aqueles que não se importam com isso, o nome mais comum do bicho é besouro rola-bosta. Conhece? Os rola-bosta são um grupo de besouros, cerca de 6 mil espécies, que sobrevivem — adivinhe só? — coletando dia-e-noite pedacinhos de estrume que modelam em bolinhas e saem rolando por aí.

As esferas de esterco são centrais na vida dos rola-bosta. Eles são coprófagos, cocô é o seu alimento. Nele também depositam suas larvas, que crescem nas bolinhas e dela alimentam.

Segundo o biólogo gaúcho Fernando Lopes, atualmente no Museu Finlandês de História Natural, em Helsinque: “até hoje acredita-se que a origem e diversificação dos besouros rola-bosta estejam relacionadas à radiação de mamíferos a partir da extinção dos dinossauros não-avianos”.

Na literatura científica o que mais se lê é que os besouros rola-bosta têm predileção por estrume de mamíferos. “É verdade que, em muitos casos, os escaravelhos encontram-se associados às fezes de mamíferos. Mas não dá pra bater o martelo e sair afirmando que o hábito de comer cocô entre os rola-bosta surgiu a partir da abundância de esterco de mamíferos”, observa Lopes. 

“Muito embora sejam raros os registros de escaravelhos consumindo esterco de répteis e anfíbios, tais registros existem. Quanto às aves, o registro de consumo de suas fezes é mais comum”.

Enfim, quando será que os primeiros rola-bosta se adaptaram a seu estilo de vida tão particular? Tal adaptação ocorreu sob a disponibilidade de cocô de mamíferos, ou do cocô dos dinossauros?

besouros rola-bosta

 

IDADES IMPRECISAS

Não há uma filogenia precisa para os besouros rola-bosta. O que existe são filogenias incompletas e imprecisas que procuram abarcar toda a ordem Coleoptera ou algumas determinadas famílias de besouros (são mais de 200!). É por isso que ainda não se pode afirmar com razoável certeza quando apareceram os primeiros escaravelhos. 

“Com base nos estudos disponíveis, estima-se que eles tenham se originado entre 132 milhões e 40 milhões de anos atrás”, explica Fernando. Mas sua origem pode ser ainda mais recuada no tempo. Um recente estudo genômico dá conta que os primeiros besouros teriam surgido há 300 milhões de anos. Já a subfamília Scarabaeinae, a dos rola-bosta, teria aparecido há 160 milhões de anos, ainda no período jurássico.

Ora, havia mamíferos no jurássico? Claro que sim! Nossos ancestrais tinham o tamanho de roedores. Eram animais furtivos que viviam escondidos em tocas, das quais se aventuravam apenas à noite, de modo a escapar do olhar dos donos do pedaço, os dinossauros. 

Você já viu cocô de roedores? Cocô de coelhos, de hamsters ou de porquinhos-da-índia? São bolas diminutas, e, geralmente, pobres em nutrientes.

Sabendo disso, não seria natural imaginar que, há 160 milhões de anos, no jurássico, ou há 132 milhões de anos, no Cretáceo, quando todos os mamíferos eram pequeninos, os primeiros rola-bosta teriam aprendido o seu ofício rolando e adentrando o que de mais substancioso havia na praça, ou seja, cocô de dinossauro?

besouros rola-bosta

 

FILOGENIA COPROFÁGICA

Tal hipótese foi a que motivou Fernando Lopes e seus colegas a debater mais amplamente a origem desse curioso hábito dos besouros rola-bosta, utilizando dados genômicos, de campo e informações presentes na literatura científica. O artigo que discute o assunto acaba de ser publicado na revista Frontiers of Ecology and EvolutionNele, Fernando e colaboradores detalham os argumentos que os levaram a investigar se a origem dos besouros rola-bosta teria relação, ou não, com a abundância de estrume de dinossauros. 

Como já vimos, a hipótese atualmente aceita assume que os rola-bosta surgiram a partir da diversificação dos mamíferos. A partir do momento que nossos ancestrais puderam sair em segurança de suas tocas e dominar o planeta — o que só ocorreu com o final abrupto dos dinossauros não-avianos, há 66 milhões de anos.

“A única evidência direta de uma associação entre besouros rola-bosta e dinossauros vem do coprólito (cocô fossilizado) de um dinossauro do cretáceo. As tocas que existem no coprólito foram atribuídas à atividade de besouros rola-bosta, mas não há evidências para apoiar tal conclusão”.

Segundo o conhecimento atual, teria sido muito mais tarde, na ausência do estrume dos grandes répteis, que os rola-bosta passaram a modelar bolinhas a partir da copiosa quantidade de estrume mamífero que se tornou disponível.

Será mesmo?

Besouros, cocô e dinossauros - Fernando Lopes, de vermelho, ajuda a colocar armadilhas para pegar besouros em Madagascar

 

BESOUROS INSULARES

As ilhas, devido ao seu isolamento geográfico, são ecossistemas ideais para testar hipóteses científicas. Neste caso, Fernando resolveu estudar os besouros rola-bosta de Madagascar e das ilhas oceânicas próximas, como as pequenas ilhas Maurício e Rodrigues. Apenas em Madagascar há mais de 300 espécies de rola-bosta, sendo que 96% são endêmicas, não são achadas em nenhum outro lugar.

“Lá encontra-se de tudo. Há besouros rolando fezes de mamíferos, de aves e de répteis”, diz Fernando.

“Quando a gente saía para as expedições de campo, cada pesquisador era responsável pelas próprias armadilhas para capturar besouros. Usávamos armadilhas de queda, isto é, copinhos enterrados no solo para os insetos caírem dentro. 

Como chamariz para atraí-los, usávamos diversos recursos. “As armadilhas instaladas nas ilhas Maurício mostraram claramente uma alta atratividade dos besouros nativos ao excremento de galinha”. Mas não somente. Em Madagascar, os besouros são mais atraídos por fezes de mamíferos. Durante a expedição naquela ilha, Fernando e a turma de coleta recorreram a recursos próprios. “Por isso podemos afirmar que eles gostam muito de fezes humanas”, diz rindo.

Graças ao trabalho de campo em Madagascar e em Maurício, Fernando e colegas chegaram à conclusão que os besouros rola-bosta que vivem em ilhas geralmente dependem de esterco de répteis e pássaros para se alimentar — algo subestimado anteriormente. “Ainda não está claro se a alimentação de esterco de pássaros e répteis é uma característica ancestral dos besouros rola-bosta insulares, ou se foi adquirida quando eles colonizaram cada ilha”, pondera o pesquisador.

besouros rola-bosta

 

UM GRANDE PROJETO

De volta a Helsinque, Fernando encontra-se no momento extraindo dados genéticos dos espécimes capturados em Madagascar e nas ilhas Maurício, assim como de muitos outros espécimes de coleções científicas espalhadas pelo mundo. “Estou tendo acesso a DNA de alta qualidade de espécimes depositados em vários museus, inclusive amostras coletadas no século 19!”

Fernando pretende que sua futura filogenia dos besouros rola-bosta seja a mais completa possível. Para tanto, ela idealmente precisa contar com espécimes de todas as linhagens (ou tribos) da subfamília Scarabaeinae. 

“Nossos resultados fornecem evidências de que, fisiologicamente falando, não há restrição à hipótese de que evolução da coprofagia nos besouros rola-bosta tenha sido desencadeada com esterco de dinossauro”. 

Mas uma coisa é supor. Outra bem diferente é provar, como Fernando reconhece. “Para a gente poder assumir com mais convicção a defesa de que os rola-bosta evoluíram rolando cocô dos dinossauros — não de mamíferos — tudo depende da existência de uma grande filogenia bem datada. A ideia é publicar os primeiros resultados nos próximos 18 meses”.


INCERTEZAS FUTURAS

O porvir de Fernando é incerto, como para a maioria dos pesquisadores em início de carreira. Seu pós-doutorado no museu de Helsinque termina oficialmente dentro de oito meses. Ele ainda não sabe o que irá fazer. Com a conclusão de seu doutoramento na PUC-RS e sem perspectivas de trabalho no Brasil, Fernando teve que fazer uma mudança radical na sua linha de pesquisa. Originalmente, ele treinou para ser especialista em genômica de mamíferos marinhos, o que evidentemente não tem nada a ver com besouros.

”Eu não via perspectiva no Brasil. Em meus anos de formação, contei com bolsas de estudo da Fapergs, do CNPq e da Capes. Se eu pudesse, se tivesse a oportunidade de voltar ao Brasil para trabalhar como pesquisador, voltaria de braços abertos. Mas como as oportunidades são poucas, meu objetivo não é voltar. É muito triste a gente não conseguir retribuir ao nosso país aquilo investido na nossa formação”.

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