- Peter Moon
- 17/05/2023
- 16:41

O MERCÚRIO DOS GARIMPOS E O DECLÍNIO DAS ANDORINHAS-AZUIS
Tudo indica que o mercúrio usado em garimpos de ouro na Amazônia é o responsável pelo declínio das populações de andorinhas-azuis, sugerem pesquisadores
As andorinhas-azuis vêm todos os anos invernar na Amazônia. Mas quando chega a hora de procriar, o número de andorinhas que retornam à América do Norte é cada vez menor. Segundo pesquisadores da USP e do Butantan, tudo indica que a causa para o declínio das andorinhas é a contaminação por mercúrio nos rios amazônicos — mais um das consequências ambientais nefastas do garimpo ilegal na região.
As andorinhas-azuis são aves migratórias que se reproduzem na América do Norte. Para fugir do inverno rigoroso nos Estados Unidos, todos os anos centenas de milhares de andorinhas-azuis migram para o hemisfério sul. Vão invernar na Amazônia. Ornitólogos e ecólogos americanos já haviam percebido que a população de andorinhas-azuis vinha reduzindo nas últimas décadas, a uma taxa de quase 1% ao ano. Mas ninguém sabia por qual razão. Até agora.
Um grupo de pesquisadores brasileiros e americanos parece ter identificado o culpado: a contaminação por mercúrio usado nos garimpos ilegais da Amazônia. É o que sugere um estudo publicado em dezembro na revista Environmental Pollution.
O artigo é fruto da dissertação de mestrado “Exposição ao mercúrio ambiental na Bacia Amazônica e seus efeitos em Andorinhas-Azuis (Progne subis)” (2021), de Jonathan Branco, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP). Participam do estudo pesquisadores do Instituto Butantan, e da Universidade do Norte do Arizona, entre outras instituições.
Em seu estudo, Jonathan constatou que o nível de mercúrio encontrado nas andorinhas-azuis está diretamente relacionado à diminuição de seu índice de gordura. A origem do mercúrio deve estar nas dezenas de garimpos ilegais na Amazônia, que utilizam de forma indiscriminada este metal pesado na separação do ouro. O mercúrio dos garimpos sempre acaba descartado nas águas dos rios, contaminando o meio ambiente e penetrando na cadeia alimentar amazônica.
Os primeiros animais a se contaminarem são a fauna aquática e os insetos. Mosquitos e outros insetos depositam seus ovos na água, onde ocorre o desenvolvimento larval dos insetos. Quando a água está poluída com mercúrio, essa substância tóxica é transmitida aos insetos.
As andorinhas-azuis são aves insetívoras. Cada uma delas devora até 1.500 insetos por dia. O mercúrio nos insetos vai acumulando nos tecidos das aves. Após voarem para a América do Norte, o mercúrio presente em seus corpos as impede de armazenar gordura adequadamente, deixando-as sem energia suficiente para migrar de volta ao hemisfério sul.

MAIS MERCÚRIO, MENOS GORDURA
Os achados de Jonathan foram feitos com a ajuda de uma rede de cientistas amadores de alguns estados americanos, coletaram penas das andorinhas-azuis e as enviaram para o laboratório do orientador de Jonathan, o americano Charles Loren Buck. Além de professor na Universidade do Norte do Arizona, desde 2019 ele também é professor no curso de Ecologia do IB-USP.
Uma vez no laboratório, a equipe de Buck analisou as penas da cauda das andorinhas-azuis, onde contaminantes e hormônios tendem a se acumular. Eles também examinaram registros sobre as condições físicas das aves, como peso e quantidade de gordura. Os dados foram enviados para Jonathan em São Paulo, que os analisou por meio de modelos estatísticos.
Segundo Jonathan, a presença de mercúrio nas penas era algo esperado. No entanto, o aspecto mais impressionante foi a correlação entre os níveis de mercúrio nas andorinhas-azuis e sua pontuação de gordura. Quanto maior o nível de mercúrio encontrado nas aves, menor era o índice de gordura.

HIDROELÉTRICAS E METILMERCÚRIO
Em entrevista à revista Smithsonian, Charles Buck explicou que o metilmercúrio, a forma mais perigosa do metal, é altamente aderente e se deposita nos tecidos dos animais. A construção de mais de 100 projetos hidrelétricos na Amazônia durante os últimos 50 anos contribuiu para um aumento nos níveis de metilmercúrio em peixes e humanos.
Esses projetos envolvem a criação de barragens que impedem o fluxo de água, levando ao assentamento de mercúrio inorgânico descartado pelos garimpos nos leitos dos rios. Uma vez ali, bactérias convertem o mercúrio em metilmercúrio, a forma mais tóxica desse metal pesado.
O metilmercúrio pode ascender na cadeia alimentar, causando distúrbios neurológicos e comportamentais em animais e humanos. Os sintomas experimentados pelos indivíduos podem incluir dores de cabeça, insônia, perda de memória, tremores, efeitos neuromusculares e disfunção cognitiva e motora.

O CANÁRIO DA MINA
“Já foram detectados à exaustão problemas de contaminação por mercúrio em populações ribeirinhas, em populações indígenas e em peixes. Em aves ainda não havia sido na Amazônia, mas as aves elas são conhecidas por serem o canário da mina”, explica a bióloga Erika Hingst-Zaher, do Museu Biológico do Instituto Butantan, que foi co-orientadora de Jonathan.
“É aquela história dos mineiros levarem os canários para dentro das minas de carvão, pois o canário detectava primeiros a falta de oxigênio, e dava tempo deles saírem da mina. É isso o que as andorinhas estão nos indicando”, completa ela.
“Sobre a contaminação das andorinhas,” prossegue Erika, “a nossa hipótese — ainda não testada — é que elas se contaminem através da sua dieta, que consiste em invertebrados que eclodem nas águas dos rios amazônicos”.

RISCO À REPRODUÇÃO
De acordo com Jonathan, a redução nos níveis de gordura pode ter um impacto no tempo dos ciclos reprodutivos das andorinhas-azuis. Se a sua reprodução no América do Norte for tardia, ocorrendo, por exemplo, no final do verão, os filhotes podem não ter tempo hábil para atingir o tamanho necessário para conseguir embarcar na migração para o sul. Além disso, esse problema aumenta a probabilidade de as aves adultas não terem energia suficiente para realizar a jornada e morram antes de chegar na Amazônia
Segundo Erika, a redução na população de andorinhas-azuis foi detectada na América do Norte. “A gente já está conseguindo estabelecer a conexão entre a região na América do Norte de onde essas andorinhas saem e onde elas vêm invernar na América do Sul. As andorinhas-azuis que estão invernando na Amazônia são as andorinhas da costa Leste dos Estados Unidos”.
Para a bióloga, o que está acontecendo com as andorinhas-azuis faz parte de um espectro muito maior. “O que está acontecendo é um declínio geral nas populações de aves, que tem a ver com as mudanças climáticas, que tem a ver com a perda de polinizadores, que tem a ver com a contaminação dos ambientes. Fora isso, a gente sabe que as populações de insetos estão sendo severamente impactadas pelo uso de pesticidas, e diversas espécies de aves dependem dos insetos como base da dieta”.

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